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A presença do negro nos espaços de arte

Sabe-se que o racismo está presente e enraizado em nossa sociedade e para combatê-lo é necessário visibilizá-lo e discuti-lo. Pensando nessas necessidades, realizei um bate-papo sobre a presença do negro nos espaços de arte com Hudson Ditherman, que é bacharel em Fagote pela Escola de Música da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e mestrando em Música, Cultura e Sociedade também pela UFMG.

 

Lohis Anne: O que te levou a escolher um curso de arte?


Hudson Ditherman: “Para falar sobre isso vou contar a minha trajetória. Parte da minha família é formada de músicos, meu avô era músico de banda, meus primos são músicos profissionais e eu canto desde os 4 anos de idade. Aos 8 anos, fui para o Coral Lírico Infantil do Palácio das Artes e fiquei lá entre 1998 e 2001, até que meus pais e eu imigramos para Portugal (em 2001). Lá eu iniciei um curso de flauta transversal e tentei ingressar no Conservatório Nacional, mas por problemas no momento da prova, acabei perdendo. No mesmo dia, tentei realizar a prova de fagote no Conservatório, mas não sabia tocar nem possuía o instrumento. Conversei com o professor e ele tocou algumas notas no piano e pediu para que eu as entoasse. No fim da prova, ele me disse que eu era muito afinado e isso era o importante para que eu tocasse fagote, então fui aprovado. Toquei no Conservatório por mais um tempo até ir para Escola Metropolitana (profissional), em Lisboa e toco fagote desde então. Quando terminei meu ensino médio, decidi fazer vestibular para o curso de Ciências Políticas mas faltando um ano para me formar, eu voltei para o Brasil. Chegando aqui, fui convidado pela Orquestra Sinfônica de Minas Gerais a passar uma temporada tocando fagote com eles. Iria me inscrever para o vestibular de Relações Econômicas Internacionais, mas um amigo meu me deu uma inscrição para o curso de música da UFMG feita e paga, e me emprestou seu fagote (nessa época tinha vendido o meu). Então eu fiz a prova, passei e fiz o curso de fagote. Terminando o curso, me inscrevi para ingressar na Orquestra Sinfônica de Vitória (ES), mas como o fagote é um instrumento muito caro, não tinha um para realizar a prova. Minha professora me emprestou um fagote que ela não usava para que eu pudesse fazer a prova e depois de juntar um dinheiro eu comprei meu fagote. Depois de 2 anos na Orquestra Sinfônica de Vitória, decidi voltar para Belo Horizonte para cursar mestrado em Música, Cultura e Sociedade. Decidi fazer meu mestrado nessa área para retribuir e contribuir a sociedade trazendo a público toda essa discussão racial e denunciar o racismo, inclusive minha pesquisa é voltada para o mulatismo musical.”

 

Lohis Anne: Como é o mercado de trabalho na área da música?


Hudson Ditherman: “Bom, na formação erudita, o mercado é complexo porque há uma grande quantidade de músicos para poucas orquestras. Instrumentos mais comuns como violino, clarinete e violoncelo tem vagas muito disputadas, por isso muitos profissionais acabam não seguindo a carreira orquestral. No caso do fagote é o contrário, há poucos fagotistas no mundo e a demanda é muito grande, por isso há sempre oportunidades de trabalho. Isso acontece porque o fagote é muito caro e de pouco acesso.”

 

Lohis Anne: O que você queria cursar durante o ensino médio?


Hudson Ditherman: “Quando morava em Portugal, eu realizei um teste vocacional antes de ingressar no ensino médio porque o colegial de lá é direcionado. Antes de fazer o teste, eu queria fazer medicina, mas o teste me indicou para ciências sociais e humanas, então acabei fazendo por esse motivo.”

 

Lohis Anne: Considerando sua experiência como professor e aluno, existem muitos jovens negros nos cursos de música?


Hudson Ditherman: “Até mais ou menos 2010, não haviam muitos jovens negros nas universidades, nem nos cursos de música e nem em outros cursos. A partir das políticas de cotas e outras políticas de afirmação, houve um maior acesso de jovens negros nas universidades. Aqui no Brasil, os jovens negros têm maior acesso a cursos de música através das igrejas evangélicas.”

 

Lohis Anne: Então, é possível afirmar que há uma certa igualdade racial dentro da música?


Hudson Ditherman: “Dentro do espaço acadêmico há menos desigualdade, mas ainda há uma diferença grande entre a quantidade de jovens negros e brancos. Dentro no mercado de trabalho a realidade é outra. A profissão de músico erudito é totalmente elitizada, em orquestras se vê muito mais brancos e dentro delas há um discurso muito racista, o que dificulta a permanência do negro dentro das orquestras.”

 

Lohis Anne: Você já sofreu racismo no meio artístico?


Hudson Ditherman: “Já sofri racismo e outros preconceitos como a homofobia. Dentro das orquestras existe uma hierarquia, onde o maestro e o maestro assistente comandam o que todos os músicos devem fazer. Durante os 2 anos em que eu trabalhei em Vitória eu e outras pessoas negras sofremos assédio moral pelo maestro assistente, que nos expunha, nos chamava de medíocres e nos dizia que não sabíamos tocar. Sofria tanta tortura psicológica que cheguei a pensar que realmente não sabia. Outra situação comum de racismo que acontecia comigo, era que eu era barrado por seguranças na entrada dos músicos e precisava provar que eu realmente era músico, o que é extremamente constrangedor.”

 

Lohis Anne: Como você acha que todos podem ser antirracistas e contribuírem com o movimento negro?


Hudson Ditherman: “Socialmente, acho que o racismo pode ser combatido principalmente com políticas públicas de punição as pessoas que cometem esse crime e não só com o racismo mas com o machismo, porque a questão de gênero é muito forte em nossa sociedade. Nas universidades, o jovem negro deve ter mais protagonismo e lugar de fala. Acho importantíssimo tornar público debates de artistas de artes afrodescentes, pessoas de religiões de matriz africana, dos indígenas e de suas religiões que são muito silenciadas. É importante que o ensino básico comece a formar profissionais sem uma visão eurocêntrica e branca, que de certa forma é ensinada e replicada nesses espaços.”

 

Lohis Anne: Você tem alguma dica para dar aos jovens que desejam seguir na área artística?


Hudson Ditherman: “Acho importante quebrar a ideia de que para ser artista tem que começar desde cedo. Nós somos seres humanos racionais e inteligentes, então não acho que a idade que se começa na arte determinará seu sucesso ou não, pode ser que seja mais difícil mas não significa que será impossível (ainda mais para nós negros que passamos dificuldades diárias, para nós mais um desafio não é uma ‘coisa de outro mundo’). Então, se você quer ser artista e está entrando no ensino médio não desista, você ainda tem 3 anos para se preparar. Eu conheço pessoas que entraram no meio musical com 21 anos e hoje estão em grandes orquestra, então não existe idade para começar.”



→ Siga o Hudson no Instagram: @hudson_ditherman


 

Entrevista realizada por Lohis Anne, turma M2A


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